Quando eu era criança, não existiam tantos recursos tecnológicos de entretenimento para crianças como há hoje. Havia aquelas bonecas cujo corpo era cheio de algodão e faziam a alegria de meninas de todas as classes sociais. Depois, vieram as de corpo de plástico duro e cabeça de borracha macia, e o máximo que conseguiam fazer era abrir e fechar os olhos – ação que eram obrigadas a executar incessantemente. E foi nesse meio tempo que minha irmã mais nova ganhou bonecas mais reais, que falavam e choravam, quando uma cordinha era puxada em suas costas. Também faziam xixi.
Era a mesma época em que a fofoca funcionava nas calçadas, sobre cadeiras de onde os fatos do momento passavam por uma espécie de viralização via Whatsapp, mesmo sem computador, tablet, smartphone...
Mas tudo mudou muito rápido: da válvula para o transistor e deste para o microchip, redirecionando o mundo para substitutos artificiais. Quem na época poderia imaginar que humanos se casariam com bonecas infláveis e chamariam cães e gatos de filhos e filhas?! Quem diria que da condição de pais e mães de pets, passaríamos a alimentar animais de estimação digitais, a amar e a servir bonecas robóticas e a conversar com parceiros de IA e, em alguns casos, a adorar máquinas que falam e respondem como humanos?! Não obstante, esse cenário de ineditudes é o que temos para hoje.
Diante disso, em todo o mundo, as pessoas estão se voltando para companheiros digitais e artificiais para preencher vazios emocionais. Cada vez mais, a diversidade das criaturas cibernéticas prova que eu e você, meros humanos de carne e osso, não controlamos o cerne das crises éticas que envolvem tal cenário. E as provas estão mais que evidentes a cada dia:
Bonecas ultrarrealistas cuidadas por adultos, às vezes, para substituir crianças perdidas, mas também cada vez mais como companheiras para aqueles solitários ou emocionalmente feridos;
Robôs sexuais de Inteligência Artificial e amantes virtuais, que oferecem intimidade e obediência sem a bagunça e os desafios dos relacionamentos humanos;
Os Tamagotchis, nos anos de 1990, em que os japoneses, que eram os chineses da época, inventaram, como formas primitivas de vida digital que imitavam afeto e responsabilidade, abrindo caminho para um investimento emocional mais profundo em entidades não humanas;
Os Chatbots de Inteligência Artificial, que vieram depois, como o Replika, que alguns chamam de "almas gêmeas", preferindo-os a pessoas reais.
São exemplos que apontam para uma mudança mais profunda: o condicionamento da humanidade a aceitação de formas de vida artificiais como emocionalmente, relacionalmente e até espiritualmente significativas.
Um dos perigos, aqui, não é apenas a tecnologia em si, mas o que ela faz à alma humana. Ao trocarmos afeição real por substitutos programáveis, nós nos tornamos emocionalmente isolados, mas digitalmente apegados. Ansiamos por controle sobre relacionamentos, em vez de vulnerabilidade e crescimento e perdemos a capacidade de discernir o verdadeiro do sintético.
A ascensão do afeto artificial não é apenas uma questão tecnológica. Acho que à medida em que as pessoas substituem relacionamentos reais por substitutos digitais, a alma humana se torna vulnerável à manipulação e à desconexão.
Welington Alves
Jornalista, Teólogo e Escritor
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