Mais do que
uma tripulação estrelada, composta exclusivamente por mulheres, o voo
suborbital da Blue Origin, lançado
segunda-feira, 14 de abril, levou na bagagem plantas de batata-doce das cultivares Beauregard e
Covington; e sementes do grão-de-bico BRS
Aleppo, desenvolvido por cientistas brasileiros nos programas
de melhoramento genético da Embrapa. A pesquisa com essas duas espécies em
condições espaciais integra as ações da Rede Space
Farming Brazil, parceria entre a Embrapa e a Agência Espacial
Brasileira (AEB), que reúne as principais
pesquisas no País sobre a produção de alimentos em ambientes fora da Terra, com
alta radiação e baixa gravidade.
A inclusão do material brasileiro no voo foi
viabilizada por um convite do professor Rafael Loureiro, da Winston-Salem State
University (WSSU), no estado da Carolina do Norte, EUA. A astronauta que
conduzirá os experimentos com as sementes brasileiras, Aisha Bowe, é
ex-cientista de foguetes da Agência Espacial Norte-americana (Nasa) e
mantém parceria com a Odyssey, empresa de operações e ciências espaciais da
universidade que viabilizou os experimentos na missão da Blue Origin.
A batata-doce e o grão-de-bico foram
escolhidos porque reúnem vantagens agronômicas e nutricionais, quando se
considera os desafios tecnológicos e científicos de cultivar plantas no espaço.
Elas são espécies adaptáveis e resilientes, de rápido crescimento e fácil
manejo, que conseguem se desenvolver bem em condições adversas, mesmo com o
mínimo aporte de insumos ao longo do ciclo de produção.
Como contribuição para a dieta de
astronautas, a batata-doce é uma fonte de carboidratos de baixo índice
glicêmico e suas folhas oferecem uma alternativa de consumo como proteína
vegetal. “As raízes da batata-doce produzem compostos bioativos que promovem a
saúde humana, pois atuam como poderosos antioxidantes naturais que inibem a
ação de radicais livres no organismo. Esse consumo é especialmente valioso em
ambientes expostos à radiação, como nas condições da Lua, de Marte ou na
Estação Espacial Internacional”, explica a engenheira-agrônoma Larissa Vendrame,
pesquisadora da área de melhoramento genético da Embrapa Hortaliças (Brasília, DF).
As
batatas-doces que serão avaliadas nesta fase da pesquisa são a cultivar
Covington, desenvolvida pela North Carolina State University (EUA); e a cultivar Beauregard, obtida
pela Louisiana State University (EUA) e registrada no Brasil pela Embrapa, como
instituição mantenedora. Ambas as cultivares possuem polpa alaranjada,
indicativo da presença de betacaroteno, um pigmento natural que é precursor da
provitamina A no organismo humano, e cujo consumo traz benefícios para a saúde dos
olhos e da pele.
Conhecido como o grão da felicidade, a escolha do grão-de-bico considera seu alto teor de proteínas. “A cultivar BRS Aleppo foi eleita para essa missão em função de seu alto valor nutricional e pela alta adaptabilidade do cultivo”, pondera o pesquisador Fábio Suinaga, da área de melhoramento genético vegetal da Embrapa Hortaliças.
A busca no espaço por respostas para a
Terra
A pesquisa com grão-de-bico busca desenvolver
plantas mais produtivas, com menor altura e ramificações mais eretas, um porte
mais adequado às limitações do ambiente espacial. “Estamos planejando submeter
sementes de grão-de-bico à radiação Gama e aos nêutrons, que atuam como
geradores de variabilidade genética, da mesma forma que os cruzamentos
realizados em laboratório e campos experimentais”, explica Suinaga, ao aventar
a possibilidade de achar, ao longo desse processo, plantas mais precoces e
resistentes.
O cultivo de plantas no espaço demanda tanto
o desenvolvimento de sistemas de produção sem solo ou com regolito (“solos”)
lunares e marcianos, quanto cultivares selecionadas para condições de baixa
disponibilidade de água e nutrientes. Segundo Vendrame, esses desafios são
também demandas reais do setor produtivo de batata-doce para as condições de
cultivo nas lavouras brasileiras. “Contamos com uma equipe multidisciplinar de
pesquisadores de ponta que compõem a Rede de Agricultura Espacial Brasileira,
por isso, a expectativa é obter novas cultivares com as características
desejadas de modo mais rápido a partir de uma pesquisa inovadora”, conclui.
A pesquisa em agricultura espacial deve
acelerar o melhoramento genético e trazer inovações para a agricultura
praticada na Terra, especialmente com o avanço das mudanças do clima. Além
disso, espera-se alcançar diversos impactos, os chamados spin-offs, capazes de
promover saltos no conhecimento agronômico brasileiro e gerar novas
tecnologias.
“Muitos são os exemplos de soluções espaciais
que tiveram aplicações no cotidiano das pessoas. A NASA já publicou mais de
duas mil dessas tecnologias que são utilizadas no nosso dia a dia, como telas
de celulares, ferramentas sem fio, termômetros com infravermelho, comida
desidratada, etc. Da mesma forma, podemos avançar muito em tecnologias modernas
para auxílio na agricultura brasileira, usando inteligência artificial na
irrigação, melhoria e adequação de plantas em cultivo indoor, novas cultivares
mais tolerantes à seca, mais eficientes no uso da energia ou mais adaptadas aos
desafios impostos pelas mudanças climáticas, mais produtivas e mais
nutritivas”, destacou a pesquisadora Alessandra Fávero, da Embrapa
Pecuária Sudeste, que coordena a Rede Space Farming Brazil.
A idealização do experimento foi feita por
pesquisadores de diversas instituições participantes da rede. Durante a
realização do voo, as plantas de batata-doce e sementes de grão-de-bico ficaram
expostas por quase cinco minutos à microgravidade, uma condição que afeta a
expressão de alguns genes. Agora, já de volta para a Terra, os cientistas da
Rede irão realizar uma série de estudos com as amostras, após confirmar sua
viabilidade.
A rede de agricultura espacial
brasileira
A rede Space Farming Brazil foi criada para inovar na
produção de alimentos em ambientes fora da Terra. Este grupo de cientistas está
trabalhando no desenvolvimento de sistemas de produção adaptáveis ao espaço,
buscando soluções para desafios complexos, garantindo a produção de alimentos
em condições de elevada radiação, baixa gravidade e ausência de solo.
Em novembro de 2023, foi
firmado um protocolo de intenções entre a Embrapa e a Agência Espacial
Brasileira (AEB) em prol da participação do País no Programa Artemis, da Nasa,
que reúne projetos de colaboração internacional. Desde então, a Embrapa atua
como provedora de dados, tecnologias e produtos que serão usados tanto no
espaço quanto no dia a dia da sociedade brasileira, gerando novas oportunidades
para superar desafios como o das mudanças climáticas, novas formas de produção
e cultivares adaptadas a condições extremas e a novos mercados.
Atualmente, a Rede é
composta por 56 pesquisadores de 22 instituições diferentes: Agência Espacial
Brasileira (AEB), Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade
de São Paulo (Cena-USP), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP),
Instituto Agronômico (IAC), Instituto de Estudos Avançados (IEAv),
Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP), Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto de Química da
Universidade de São Paulo (IQ-USP), Instituto Tecnológico de
Aeronáutica (ITA), Florida Tech University (FIT), Parque de Inovação Tecnológica de São José dos Campos (PITSJC),
Universidade da Flórida (UFl), Universidade de Newcastle (NCL), Universidade Federal do ABC (UFABC),
Universidade Federal de Lavras (Ufla), Universidade Federal de Pelotas (UFPel),
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar),
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Winston Salem
State University (WSSU).
Paula Rodrigues (MTb 61.403/SP)
Embrapa Hortaliças
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