Entre 2022 e 2023, volume de processos novos sobre o assunto subiu 46,3%; já no Brasil, o percentual foi de 12% |
De
acordo com dados inéditos extraídos do DataJud, o painel de estatísticas do CNJ
(Conselho Nacional de Justiça), o número de novas ações na Justiça relacionadas
à posse de drogas para consumo pessoal cresceu 46,3% na Bahia entre 2022 e
2023. Trata-se de um percentual acima do índice nacional, de 12,45%.
O
volume de processos novos nesse período sobre o assunto no estado variou de
1.775 a 2.597. E ao menos entre janeiro e abril de 2024, o acumulado no ano era
de 974 casos novos. Já a variação no Brasil entre 2022 e 2023 foi de 130.034
para 146.228. Em 2024, até o mês de abril, o volume já havia chegado em 44.228
novos processos.
O
montante de ações diz respeito ao registro processual "Posse de Drogas
para Consumo Pessoal", referente ao código 5885. O CNJ também conta com o
registro "Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito
similar" relacionado ao código 11.207. Em meio aos debates no STF (Supremo
Tribunal Federal) e no Congresso Nacional sobre a melhor forma de diferenciar a
posse do tráfico da maconha, o próprio sistema judicial também não faz a
separação por completo ao catalogar as novas ações que surgem no Judiciário
sobre as drogas.
O
registro relacionado apenas à posse de drogas é o 7º tema penal no Brasil com o
maior número de novos processos em 2023. Nesse ano em questão, o estado de
Minas Gerais foi responsável pela maior fatia no país de novos casos
registrados como posse de drogas. Trata-se de 45 mil processos dentro do
universo de 146 mil em todo o país. E entre janeiro e abril de 2024, 13 mil
novos casos já tinham sido registrados nos tribunais mineiros. Em todas as
unidades federativas, de um modo geral, a tendência é de alta.
O
estado com o maior aumento entre 2022 e 2023 no total de ações ingressadas é o
de Tocantins, com uma elevação de 699 para 1.584 e uma variação de 126%. Entre
janeiro e abril de 2024, o sistema judicial do estado já havia registrado 818
ações novas. O Piauí teve a maior alta percentual, de 600%, com a elevação de
90 para 630 novos casos de 2022 para 2023. Até abril de 2024, 428 processos
sobre o assunto já haviam surgido. O estado de Pernambuco registrou uma queda
de 94% entre 2022 e 2023, com a variação de 360 para 20 novos casos. Entre
janeiro e abril de 2024, apenas 5 processos novos haviam surgido.
De acordo com
especialistas ouvidos pela reportagem, o fato de o STF não ter estabelecido um
critério preciso para a diferenciação da posse e do tráfico de maconha faz com
que siga em uma tendência de alta a quantidade de novos processos relacionados
à posse de drogas. “O julgamento no final de junho estabeleceu apenas a
quantidade como critério objetivo, sem tocar na circunstância de histórico de
usuário, tipo de substâncias ou mesmo a forma de acondicionamento. Uma vez que
muitas autoridades policiais têm o entendimento que caso a substância esteja
fracionada configura tráfico e não posse, o que é absurdo, pois o entorpecente
é comprado ou adquirido de forma fracionada”, afirma Samantha Aguiar,
advogada criminalista do escritório VLV Advogados.
O entendimento do
Supremo foi de que a posse de drogas pode ser considerada uma infração
administrativa. Já na Câmara dos Deputados, tramita a PEC (Proposta de Emenda à
Constituição) 34/23 que busca incluir a criminalização das drogas no artigo 5º
da Constituição. Apesar dela já estar prevista na Lei de Drogas (Lei
11.343/2006), o novo texto deixa claro que não há possibilidade de
flexibilização.
Para a
criminalista, a proposta tem fins políticos e está desprendida da realidade. “A
bem da verdade, parece mais perseguir o usuário do que de fato um combate ao
tráfico de drogas. Não há qualquer elemento normativo de combate ao tráfico,
mas de criminalizar o usuário. Também não há qualquer informação de avanço a
políticas públicas para cuidar e acolher quem desejar ser acolhido para
tratamento. Sequer temos unidades de tratamento adequadas no país. O tratamento
público é feito pelo CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e precário tanto em
estrutura quanto como objetivo final de que essa pessoa não venha a ter uma
recaída”, critica.
Na opinião do advogado
criminalista Carlos César Coruja Silva, do escritório Carlos Coruja, a
falha do STF e do Congresso em buscar reduzir o volume de processos em
tramitação relacionado às drogas gera uma sobrecarga no sistema judicial e
insegurança jurídica. “A variação no número de processos entre estados sugere
diferenças na aplicação da lei e na política de drogas, o que pode levar a
tratamentos desiguais de casos semelhantes em diferentes regiões do país”,
acrescenta.
Questão social e
segurança pública
Outro ponto
abordado pelos especialistas frente ao aumento no número de processos novos na
Justiça é que a criminalização da posse de drogas leva à estigmatização dos
indivíduos, especialmente daqueles das classes sociais mais baixas. A distinção
entre usuário e traficante nem sempre é clara na prática jurídica e muitas
vezes depende de decisões tomadas de forma individual pelas autoridades policiais.
Isso pode resultar na criminalização excessiva de pessoas que são apenas
usuárias.
E a falta de
critérios objetivos resulta em consequências maiores para uma fatia da
população. “A aplicação das lei de drogas no Brasil afeta desproporcionalmente
negros e pobres”, critica a advogada Vanessa Avellar Fernandez,
pós-graduada em Prática Penal e Direito Penal Econômico. Para a
especialista, essa dificuldade na diferenciação no uso pessoal e tráfico leva a
um viés racial e socioeconômico na aplicação da lei. “Jovens negros de
periferias são frequentemente alvos de operações policiais, reforçando ciclos
de marginalização e exclusão social”, avalia.
O advogado Carlos
Coruja acrescenta que a solução para esse problema não deve envolver apenas o
aspecto legal. A Justiça e os legisladores deveriam estar atentos às
consequências sociais e à saúde pública. “É necessário um diálogo aberto e
inclusivo que considere as diversas perspectivas e experiências, buscando
soluções que minimizem os impactos negativos e promovam uma abordagem mais
humanitária e eficaz no tratamento do uso de drogas”, frisa.
Para Matheus
Lima, advogado criminalista do escritório Lima Ferreira Advogados, o
ideal é que o foco na saúde pública tomasse o lugar da ideia de que deve ser
promovida uma guerra contra as drogas. “Obviamente, há a necessidade de
combater o tráfico, conforme determinou o legislador. Entretanto, o mero
usuário é mais uma vítima dos efeitos da droga do que uma ameaça à sociedade.
Por isso, entende-se que seria necessário focar as atenções nos traficantes,
daí a importância da diferenciação”, finaliza.
Clique aqui para ter acesso ao levantamento de dados completo: https://bit.ly/3WDV6MI
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