VALE EM FOCO

A tempestade de leite condensado


Intencionalmente ou não, o episódio das latas de leite condensado adquiridas pelo governo federal gerou o ambiente perfeito para o presidente Jair Bolsonaro se refestelar nas críticas à imprensa. Com razão. Até que se haja uma apuração aprofundada sobre a aquisição dos itens da cesta alimentícia do Executivo, com a análise dos fornecedores ou até eventuais sobrepreços, por exemplo, qualquer afirmação sobre o tema é um tiro no vazio. Talvez o absurdo nesse episódio tenha sido a forma como o jornalismo foi mal usado contra Bolsonaro e o feitiço virou contra o feiticeiro.

Avaliar o orçamento público é uma tarefa extremamente complexa. Analisar cada um dos itens é extenuante e são raros os governos que dispõem de ferramentas de transparência que permitam isso. Não é o caso do governo federal. Os dados podem até ser mal organizados, mas estão há bastante tempo na internet. No entanto, parte da população achou ter descoberto a pólvora ao ver a lista do supermercado associada ao Palácio do Planalto. O pulo do gato é entender esse episódio.

A matéria inicial, divulgada pelo portal Metrópoles, não fazia juízo de valor sobre as compras. Apresentava os dados, com alguns poucos detalhes, e deixava que o leitor tirasse suas próprias conclusões – a compra de uvas passas, por exemplo, foi uma tentativa de tornar o texto bem humorado. Só que os adversários do presidente, então, correram para identificar item a item e associá-los ao consumo palaciano. Faltou uma informação básica: a “feira” era de todo o Executivo, incluindo aí todos os ministérios, a exemplo da Educação, e as Forças Armadas, destinos comuns para gêneros alimentícios, e sequer incluíam os gastos da morada do presidente.

Ao pinçarem o leite condensado e lembrarem os peculiares hábitos de tomar café com a iguaria como recheio, os “inimigos” do bolsonarismo deram todas as oportunidades possíveis para apagar o vexame político da campanha de vacinação, iniciada com a antiga alijada CoronaVac, e a desastrosa participação do governo federal no Amazonas. Uma cama de gato construída com o apoio de uma rede extensa de famosos e anônimos que ficaram atordoados com a meia verdade que o doce tinha ido para alimentar o Planalto.

O presidente entrou de sola, bem no estilo dele e adorado pela claque. Em um ato sem tantos holofotes, sugeriu que as latas de leite condensado seriam para a imprensa guardar em um local pouco republicano. Pode haver irregularidade na passagem do Executivo pelo supermercado? Talvez. Mas analisar o fato sem contexto abre margem para uma virada de tempo. Como diria o ditado, quem semeia vento, colhe tempestade.

 

Opará


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