Dois mil voluntários participarão das testagens ainda este mês
Em meio a uma corrida mundial contra o avanço da pandemia causada pelo novo coronavírus, foi anunciado, na última semana, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a realização dos primeiros testes de vacina em brasileiros. O material está sendo desenvolvido pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e se encontra na fase clínica três, considerado o estágio mais avançado da pesquisa, quando é preciso ser testada em larga escala para se ter uma avaliação definitiva de sua eficácia.
Os testes irão contribuir para o registro da vacina inglesa, previsto para o final deste ano. O registro formal, entretanto, só ocorrerá após o fim dos estudos em todos os países participantes. De acordo com a virologista Andréa Gusmão, professora do curso de Medicina do Centro Universitário UniFTC de Salvador, o Brasil foi escolhido, pois, atualmente, é um dos principais epicentros da doença. “É aqui onde a gente tem, agora, uma alta taxa de transmissão. É o local ideal para uma vacina ser testada”, afirma.
Duas mil pessoas entre 18 e 55 anos que atuam em atividades com exposição ao contágio participarão das testagens ainda este mês, com apoio do Ministério da Saúde. Os voluntários não devem apresentar fatores de riscos associados à gravidade da doença. Além disso, serão realizados testes laboratoriais para confirmar que o candidato não foi infectado anteriormente.
Apenas voluntários do Rio de Janeiro e São Paulo irão participar dos testes. Isso ocorre devido à suas densidades populacionais e os elevados números de casos de Covid-19. “Os dois estados são polos de pesquisa que conseguem, não só selecionar voluntários, como também monitorá-los”, destaca a virologista. A participação do Brasil também coloca o país como candidato a usá-la, com prioridade, assim que a sua eficácia for comprovada.
Um detalhe importante é que, para avaliar a eficácia da vacina, é necessário fazer um grupo controle com placebo, preparação neutra ministrada com a finalidade de suscitar reações de natureza psicológica. “Na verdade, apenas 50% dos voluntários irão receber a vacina ‘verdadeira’. Isso acontece porque, a longo prazo, é necessário avaliar o grupo vacinado e comparar com o grupo controle”, detalha a professora.
Vacina de Oxford utiliza nova tecnologia
A especialista explica que a vacina da Oxford utiliza uma tecnologia nova. “Uma evolução biotecnológica foi importante para o desenvolvimento deste material”, destaca. Um vírus, que não é replicante nem infeccioso, serve de carreador para o coronavírus modificado para não provocar doença, mais especificamente para a proteína S do coronavírus (proteína que permite ao patógeno se conectar a uma célula humana e infectá-la). É uma plataforma conhecida como vetor viral recombinante e vem sendo usada para combater surtos virais.
“A vacina usa como vetor viral um adenovírus de chipanzé, que causa um resfriado brando nesta espécie, como vetor para a proteína S, ou seja, é um vírus de um macaco”, conta. “Usar o adenovírus humano como vetor viral pode ter uma eficiência ruim, pois grande parte da população mundial já foi exposta ao adenovírus humano de transmissão respiratória. Portanto, já temos anticorpos que poderiam inativar a função deste vetor viral. A Oxford utiliza um vetor viral desconhecido pelo nosso sistema imunológico, que não circula em humanos”, destaca.
Pesquisas no Brasil
Além do Reino Unido, vários países estão investindo milhões na busca por uma vacina eficiente e segura para o uso humano que produza nos indivíduos uma resposta imune de memória, com a produção de anticorpos neutralizantes específicos contra o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), causador da atual pandemia da Covid-19. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há cerca de 136 candidatas em todo o mundo, mas somente dez estão na fase de ensaio clínico, que permite testagem em humanos.
Entre as pesquisas mais promissoras, destacam-se as vacinas americana e chinesa. Oito voluntários mostraram níveis de anticorpos semelhantes àqueles de amostras de sangue de pessoas que se recuperaram da Covid-19, de acordo com resultados iniciais do estudo realizado pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA.
Já a vacina chinesa, chamada de CoronaVac, já foi administrada com sucesso em cerca de mil pessoas na China nas fases clínicas um e dois – antes, já havia sido aprovada em testes de laboratório e em macacos. Com o controle da pandemia na Ásia, a empresa sediada em Pequim busca cooperação com outros países para dar sequência à etapa final de testes. Com isso, o Instituto Butantan, em São Paulo, e a farmacêutica chinesa, entraram em acordo para testagem em 9 mil voluntários no Brasil e fornecimento de doses até junho de 2021, caso a imunização se prove eficaz e segura.
No Brasil, uma das pesquisas está sendo realizada pela Universidade de São Paulo (USP), ainda em fase pré-clinica, etapa na qual acontece a testagem em animais de laboratório. “Ela é uma vacina recombinante, do tipo VLP, que são partículas semelhantes ao vírus. É uma vacina muito segura, esta metodologia já é conhecida no mundo por causa da vacina para HPV. Ela é como se fosse uma esfera contendo a proteína do vírus, mas sem material genético. Estou muito otimista em relação a esta vacina brasileira”, declara Andréa Gusmão.
Outra pesquisa é a do Instituto de Ciências e Tecnologia de Vacinas, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Minas Gerais. “Ela usa um vetor viral, o detalhe é que este vetor é o vírus da gripe atenuado, que perdeu a capacidade de causar doença. Ela é interessante, pois usa o influenza, vírus que já conhecemos e que possuímos, em parte, imunidade. Isso pode aumentar a sua segurança”.
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