VALE EM FOCO

A descristianização do mundo - por Reginho da Bahia


O Brasil e as sociedades ocidentais possuem base judaico-cristãs. Mesmo com o fim da ideia de teocracia nas chamadas civilizações modernas, a ética e a moralidade judaico-cristã permaneceu fortíssima. A mesma é encontrada em quase todas as leis, incluindo os Códigos Civil, Penal e Constitucional. 

Entretanto, a partir de 1848, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, para universalizar a cidadania, alguns princípios judaico-cristãos, os quais foram inspiradores da própria concepção filosófica de ser humano, tiveram que ser sacrificados. Os Estados passaram a ser liberais e laicos. Isso significa que reduziram ao máximo a influência da religião na elaboração e aplicação das leis. Não quer dizer que a moral e a ética deixaram de existir, mas elas foram relativizadas. Elas se encontravam prontas nos princípios judaico-cristãos, mas agora passaram a ser construídas em processo democrático no qual todos os segmentos e conhecimentos podem participar, inclusive a religião, não mais em condição hegemônica, mas em igualdade com todos. Em outras palavras, para que um conceito religioso prevaleça, o argumento de “em nome do Senhor” não é o bastante. O que importa mesmo é que a maioria concorde com o que foi exposto. De forma democrática.
Assim, a religião, no caso o cristianismo, começou a ser taxada de fonte de conservadorismo, pois os princípios fornecidos por Deus são e tem que ser imutáveis, senão Deus não seria eterno. Da mesma forma, é a sociedade que deve se adaptar a esses princípios, pois a onipotência de Deus traz consigo a ideia de perfeição. Não há que se relativizar, nem usar eufemismo nem buscar interpretações para buscar condescendência, nem conivência, nem leniência com atitudes e princípios que não são recepcionados nos mandamentos divinos. 

Porém, a diversificação de crenças e o aumento da descrença, fizeram com que a base judaico-cristã, mesmo sendo majoritária, encontrasse dificuldades de se impor. E, assim, teve que negociar fazendo concessões, as quais vejo como relativização dos princípios imutáveis para evitar complicações com o Poder Judiciário ou atingir objetivos políticos, já que não é mais possível, nos dias atuais, se eleger nem governar apenas com o voto dos religiosos.

Ao mesmo tempo em que esse processo aconteceu, se percebeu que toda evolução para atender às demandas sociais passou obrigatoriamente por um choque com o conservadorismo. Até na própria questão semântica, a palavra liberalismo é tratada como evolução, melhoria, progresso e modernização, enquanto o termo conservador é ligado à velhice, antiguidade, preconceito e retrocesso. É como se obrigatoriamente todos tivessem que estar sempre mudando, mesmo sem saber se essa mudança será ou não maléfica. É como se houvesse um curso único da História e do progresso e que o mesmo é irresistível. Você tem que ter uma câmera digital, não pode mais ficar na analógica. Você tem que comprar um Xbox ou um Playstation 4. É absurdo em pleno século XXI querer jogar Space Invaders num Atari cujo joystick só tem um botão. Aí esse imperativo tecnológico é levado para os conceitos. 

Sendo assim, o conservadorismo passa a ser visto como algo absurdo. A pessoa tem que se adaptar, pois os tempos mudam e os conceitos mudam. Quem não se adapta, fica para trás. Só que dificilmente se questiona se o indivíduo e a humanidade melhoraram com essas mudanças. Por exemplo, a estrutura familiar. No patriarcalismo, cabia ao homem o sustento da casa, enquanto a mulher ficava com as tarefas domésticas, incluindo aí o cuidado com os filhos. Aí veio a conquista do mercado de trabalho pela mulher e os pais tiveram que terceirizar a tarefa de educar os próprios filhos. Aceitaram pagar tributos maiores para que fossem criadas creches e adaptar as escolas, para que as mesmas funcionassem em tempo integral. E o que aconteceu depois disso ? Crianças apresentando problemas de adultos, pois foram obrigadas a crescer e serem autônomas de forma precoce. Crianças vazias, pois passam pouco tempo com os pais e menos tempo ainda dialogando com os pais. Impressionante o número de casos de depressão, suicídio, iniciação sexual, prostituição, gravidez, doenças sexualmente transmissíveis e drogas(incluindo álcool) entre jovens cada vez mais jovens. Ou seja, o conservadorismo não prestava, pois submetia a mulher e o homem a papéis sociais específicos tirando-lhes a liberdade de escolha e sem questionar a satisfação e a autoestima de cada um por desempenhar cada papel. O liberalismo trouxe todos esses problemas relatados, mas é melhor porque tudo isso foi fruto de escolhas livres e não foi pré-determinado por princípios religiosos. Será ?

O que os liberais precisam, mas não querem entender, é que existem razões para conservar aquilo que está sendo conservado. Também precisam, mas não querem entender é que, se há liberdade de escolha para se submeter a uma moralidade religiosa, isso não é opressão nem prisão. As pessoas que voluntariamente optaram por servir a uma divindade é porque creem que a divindade existe(ou é) e que servi-la é algo que traz prazer e não dor. Quando um crente se recusa a se embriagar, ele não está se negando a sentir o prazer derivado do entorpecimento, mas ele optou justamente por sentir o prazer de saber que está agradando à divindade quando recusou a ter aquele prazer derivado do entorpecimento. Isso vale para o dízimo, para a recusa às noitadas e às orgias ou simplesmente por escolher vestir ou não vestir determinada veste. 

A religião só é um veículo de opressão e prisão quando ela é impositiva, alienante e promotora de idolatria. Do contrário, ela é sim uma fonte de prazer e possui muitas vantagens tanto espirituais quanto para a vida social. Por exemplo, quando alguém abre mão de noitada, economiza dinheiro, preserva sua saúde por não ingerir álcool, que é comprovadamente gravoso ao organismo, reduz a chance de contágio por doença sexualmente transmissível, ganha mais simpatia de um gestor de recursos humanos, pois este sabe que raramente terá um empregado de ressaca na segunda-feira, vai ter melhor rendimento no trabalho e até mesmo pode evoluir o padrão de consumo pelo dinheiro que economizou sem a farra. Tem certeza de que isso é ruim ? Tem certeza de que basta ser conservador para ter que ser abolido ? Tem certeza de que o prazer tem que estar ligado ao desgaste da saúde e até mesmo da vida ? Cabe reflexão.

Entretanto, o liberalismo ganhou. Os conservadores tem muito medo de se assumirem e de se pronunciarem, pois sabem que são minoria. Com os conservadores calados, os liberais falam sozinhos e repetem à exaustão seu discurso, o qual empodera, é libertário, revolucionário e contempla a adolescentes e jovens, os quais tem a tendência natural e hormonal à rebeldia por terem que desenvolver suas vontades limitados pelas regras e autoridade dos pais, as quais foram criadas antes deles terem nascido e, por isso, possuem dificuldade para assimilar e se submeterem. Os conservadores tem medo também de receber processos ou de serem expostos como defensores de valores ultrapassados e, por isso, agora politicamente incorretos. Rapidamente, tudo se tornou machismo, homofobia, racismo, preconceito e discriminação.

Não é difícil perceber que a mídia é parte desse vulcão de liberalismo. Imagine que uma novela passa personagens trans ou gays que sofreram preconceito e que eram obrigados pelos pais a frequentar igreja e viver de acordo a uma verdade que eles não queriam, mas se assumiram e se tornaram felizes como são. Arte ? Sim. Liberdade de expressão ? Claro ? Problema com isso ? Jamais. Afinal de contas, a novela, como diz Fausto Silva, são retratos da vida real e ajudam a sociedade a discutir temas relevantes. Mas, imagine agora que um teledramaturgo decide fazer uma personagem trans ou gay que percebeu que aquilo não lhe fazia feliz. Aí ela decidiu procurar ajuda de um psicólogo, padre ou pastor e conseguiu se livrar daquilo que lhe fazia ser como era. Aí ela se torna uma pessoa heterossexual, se casa com alguém do sexo oposto, tem filhos, passa a frequentar a Igreja regularmente e declara agora ter felicidade e paz de espírito por ter abandonado todas aquelas práticas que Deus considera abomináveis. Essa situação acontece na vida real ? Claro que sim. Mas será que algum teledramaturgo iria expor numa novela em horário nobre ? Há dúvidas, pois a repercussão para a audiência da emissora poderia ser negativa, bem como complicações para com entidades de Defesa dos Direitos Humanos.

E é dessa forma que as coisas vão acontecendo. Não há nada de mal em um Estado Laico abraçar diversas moralidades. O problema é que nem sempre os liberais buscam coexistência com os conservadores. Em diversas situações, a ideia é escandalizar, vilipendiar e desconstruir o conservadorismo que, não por coincidência, tem bases judaico-cristãs. A modernidade e o liberalismo são extremamente sedutores e, muitas vezes, anárquicos. É como se fosse a abertura de uma guerra declarada a todos os princípios conservadores e, portanto, contra os princípios cristãos. Quase tudo na modernidade é anticristão. Isso vale para a ideologia de gênero e para alguns aspectos do feminismo. O liberalismo traz pautas como aborto, redesignação sexual, liberalização das drogas, poliamor e relativização e romantização do crime, entre muitas outras. Todas são anticristãs. Muitos cristãos que possuem medo da repercussão negativa, de possíveis agressões verbais e físicas, de perder o emprego e de danos ao patrimônio, adotam a saída diplomática de se retirar discretamente do lugar, de ficar em silêncio ou de fazer um discurso politicamente correto e inclusivo. Nesse discurso, falam coisas como “eu respeito todas as opiniões”, “você não precisa aceitar nem gostar, só precisa respeitar”, “eu não tenho nada contra”, “quem tem que julgar é Deus” e similares, mas todos eles sabem que nos mandamentos sagrados que lhes foram ensinados, aquelas práticas estão em desacordo à vontade de Deus. Isso é o que se chama de contemporização. É o uso de eufemismo e de relativização por falta de coragem no ambiente público. Entretanto, quando estão em ambiente somente com outros cristãos, sentem-se mais à vontade para expressar o que realmente queriam, mas se contiveram. Todos tem liberdade para abraçar o liberalismo e a modernidade, mas há que se saber, de forma inapelável, que ambos são anticristãos. Fato.

Se a ideia básica for a coexistência de liberalismo e conservadorismo, isso é excelente. Nem o próprio Deus é capaz de fazer uma pessoa segui-la contra sua vontade. A própria Bíblia diz: “Ide, pois, e pregai o Evangelho”. Em momento algum se diz para impor o Evangelho. O dever de um pregador é apenas fazer com que a plateia lhe dê ouvidos. Ao assumir aquilo como verdade, a própria pessoa se conscientiza e se liberta dos erros. É como se fosse um dicionário. Basta dar o dicionário e a própria pessoa procura, verifica a grafia, compara com a grafia dela e decide se vai continuar escrevendo da forma anterior ou da forma que o dicionário recomenda. Mas, para isso, há que se ter confiança no dicionário. Conhecei-vos a verdade que a verdade vos libertará. Dá sim para coexistirem liberais e conservadores. Não existe cabimento em dizer que a aprovação da união civil homossexual é um plano de destruir a família tradicional. Quem pensa isso precisa se tratar urgentemente. É como afirmar que quem criou a pílula anticoncepcional queria extinguir a espécie humana. Nenhum casal heterossexual terá que se separar nem nenhum heterossexual será obrigado a casar com um homossexual por causa disso. A ideia de destruição ocorre quando, para não constranger uma minoria, se abole comemoração do Dia dos Pais e das Mães em escolas infantis para celebrar o Dia de quem Cuida de Mim. Isso é absurdo e inaceitável, pois uma família heterossexual não pode ser considerada opressora nem constrangedora pelo simples fato de existir. Todos os dias as crianças filhas de homossexuais ou criadas por eles veem as filhas de heterossexuais serem levadas por pai e mãe e isso não é constrangimento. Por que constrangeria uma comemoração de algo que todas já sabem que existe e que é tão família quanto a delas ?

Enfim, percebe-se claramente um crescimento do liberalismo a ponto de quem foi liberal, após certo tempo se tornar conservador. É a própria Rita Lee. A mesma disse que, na juventude, queria se encher de tatuagem, transar livremente sem parceiro fixo, e não queria casar nem ter filhos, pois isso era radical. Entretanto, hoje ela disse que a banalização foi tão grande que ser radical e revolução hoje é se manter casada, cuidar bem dos filhos, da casa e do marido e aproveitar desses momentos. Igualmente, Ana Paula Arósio e Márcia Goldschmidt eram artistas de grande sucesso na televisão, mas que abriram mão da fama, da fortuna e da independência para buscarem uma vida de mulher recatada e do lar e, mesmo assim, não se sentem oprimidas por machismo nem menos empoderadas que qualquer outra Executiva que não para em casa e esquece o filho dentro do carro. Mas é difícil de lidar com jovem. Muito difícil. Eles precisam passar pelo mesmo processo de Rita Lee para se conscientizarem de que não precisava nada daquilo. Uma das perguntas que todo liberal deve fazer ao conservador é “por que aquilo deve ser mantido” e a pergunta que todo conservador deve fazer ao liberal é “por que aquilo deve ser mudado”. Se a resposta para qualquer dessas perguntas for “porque sim”, significa que tem algo errado. Nem tanto nem tão pouco. Equilíbrio sempre.


Reginaldo José de Santana Júnior é Bacharel em Direito(UNEB - 2005) e Licenciado em História(UNEB - 1998).

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